As palavras são este lugar secreto em que nossa alma acontece, nós as olhamos, medimos, viramos, desviramos e as costuramos umas às outras, remamos com as palavras e nosso barco é este breve instante.
Espaço Idílico...
LEITORES...
01/10/2011
NO DIA QUE VOEI...
No meio de mais uma das entediantes aulas de literatura,
meu dicionário caiu da carteira no chão,
e numa dessas coisa malucas da vida,
todas as minhas palavras se espalharam
e se misturaram,
fazendo todo universo dançar.
Dicionário é esse lugar sagrado,
disciplinador, que coloca as palavras em fila
e as manda andar para frases, orações, parágrafos inteiros.
Este lugar, o dicionário, é um pequeno campo de concentração de sentidos,
e as palavras não fazem estripulias,
mesmo por que, é só olhar onde está a palavra “estripulia”,
grudada na palavras “estripador”;
olha só que medo!
Quem vai fazer estripulia perto de um estripador?
Mas a palavras “estripulia”
fica olhando para as palavras que vem depois dela;
“estro”, “estrofe”, “estroina”,
palavras festeiras e que estão longe da palavra “estripador”,
elas fazem música, alcançam distâncias e são extravagantes,
mas na fila está a palavra “estropiar”,
que é cheia de vontade de fazer mutilações,
arrancar pedaços e parar corações.
Mas bem, quando o meu dicionário caiu,
fez uma bagunça,
acabou com a linha reta do quartel
e as palavras foram pra onde quisessem ir,
que coisa!
A palavra “vaca” pegou a palavra “voar” e esta lhe deu a palavras “asas”
e o verbo flexionou
e a vaca bateu asas e voou.
A palavra “tristeza” sentou e conheceu a palavra “esperança”,
e trocaram alguns minutos de conversa como o verbo “fracassar”
e outros se juntaram a conversa;
os verbos “levantar”, “andar”, “correr”, “sonhar”;
e aquela turma, que não costuma se encontrar,
se encontrou, e a palavra “insistir”,
olhava tudo com a certeza de que valia a pena.
A palavra “bolha” encontrou o substantivo “sabão”,
e numa coisa comum, foi subindo e
a palavra “menina” pegou o verbo “correr”,
e usou muito as palavras “brincar” e “feliz”,
só assim para a palavra “sorriso” ficar dançando
e pulando na palavra “infância”.
Devo dizer que até aquele momento
as coisas andavam gramaticais demais para mim
e eu me desortografei
e comecei a me repalavrear,
e ai bastou-me o instante, essa fagulha.
Fui incendiado nesse lugar da alma que remonta a ancestrais,
donos de algumas palavras;
Kafka com seu besouro, Cervantes com seus moinhos,
Hemingway com seu mar, Dante com seu paraíso,
Flaubert com seu século, Dumas com seu Monte Cristo;
eu decidi ter minha palavra e libertar outras,
sim a conclusão faz parar o fluido pensamento,
mas a conclusão por vezes é o crime contra as ideias,
ai eu mergulhei entre palavras guardadas no silêncio,
aquelas que me assustavam,
e ai peguei a palavra “porta”, e coloquei na palavra “alma”.
E abri;
peguei a palavra “caminho” e coloquei na palavra “deserto”.
E andei;
peguei a palavra “casulo” e coloquei na palavra “futuro”.
E voei.
E vi quando voava todas as palavras olhavam para mim.
Só fiz voltar,
abaixar e pegar meu dicionário,
sorrir brevemente,
respirando profundamente,
numa dessas coisas malucas da vida.
San Rodrigues
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Letras e Atos...
Este espaço é um ensaio para a escrita fotográfica, aquela que vê a cena e provoca as palavras para que possam construir a metáfora da imagem.
Gravando as imagens do diálogo, dos gestos, dos paragrafos, do detalhe nos verbos, em assustadores substantivos e adjetivos maleáveis... que possam traduzir emoções guardadas num lugar secreto.
San Rodrigues
Gravando as imagens do diálogo, dos gestos, dos paragrafos, do detalhe nos verbos, em assustadores substantivos e adjetivos maleáveis... que possam traduzir emoções guardadas num lugar secreto.
San Rodrigues
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