EU DISSOLVENDO...

Eu estava enfurnado

dentro de um silêncio inquieto,

com meus átomos volúveis

num movimento etílico,

contando as horas para desligar

e ai, passarem a ser outras coisas.

Não mais eu.

O silêncio era inquieto,

e a vida assim, passando;

efêmera e vazia e ali,

diante de mim,

um milhão de palavras

e nunca somos donos de nenhuma,

elas são o único ruído

que interrompe o pensamento,

e havia uma arrevoada delas em meus pensamentos

e o silêncio seguia inquieto.

Tomei então uma dúvida nas mãos

e empunhei contra o tempo,

não dúvida, apenas pelo prazer de duvidar,

mas por que ambiciono uma certeza,

uma dessas que fazem o sol brilhar,

por que minha terra era sem forma e vazia,

apertei o dedo contra o interruptor

e apaguei a luz,

e assim se fez e foi bom;

não ouso crer que certos silêncios tem razão,

o meu estava inquieto

e só queria esquecer-me em alguma lembrança;

eu vestido de palhaço,

tirei do paletó desengonçado e fora de tamanho

um coração batendo forte em minha mão

e lhe entreguei.

Eu esperei que ela pegasse.

Ela hesitou.

O tempo hesitou por um instante.

O silêncio hesitou por toda vida,

mas o meu era inquieto

e pensei em Deus.

Quando Deus quer dar nome a um homem,

quando deseja dar-lhe brio

para fazer o melhor que pode,

quando Deus realiza a mais elevada prova;

Ele o faz conquistado, Ele o restringe,

de modo que mal se contém,

eu me contive nessa coisa de dor aliada a palavra,

e fui procurar onde de fato

estava escondido em mim,

e lá atrás de trezentas mil horas

estava eu dono de duas lágrimas,

todos os meus dias nelas

e eu dissolvendo,

mas meu silêncio era essa coisa

assim, inquieta,

fechei os olhos e dormi.

San Rodrigues